Não falta força de vontade. Falta contexto. Falta sensatez. Falta alguém que perceba que saúde mental não é um detalhe é o reflexo de tudo que está (ou não está) acontecendo no ambiente e dentro das pessoas.
Neste último artigo da trilogia, o que antes estava separado, o indivíduo e a empresa, agora se encontra. E o que está entre eles, costurando ou rasgando tudo, tem um nome: saúde mental, o tema que entrou em voga após a publicação da Lei 14.831/24 e com a Portaria MTE nº 1.419. (e quem aqui ainda acha que isso é novidade, sugiro atualização imediata).
Hoje, dia do trabalhador o que mais conseguimos observar nas redes sociais é a brincadeira com o termo latino tripalium, que é instrumento de tortura, assim a grande maioria conceitua o trabalho. Mas trabalho não nasceu para ser penitência, trabalho é criação é contribuição é conexão com o mundo! Quando bem praticado, ele eleva. Mas quando mal conduzido, ele corrói, aí sim compreendo o motivo de tantos denegrir e criticar o trabalho, como se não fizesse parte de nossas vidas e como se não fosse fator essencial para tudo o que queremos conquistar que vai além de bens materiais.
Nos artigos anteriores, provoquei o trabalhador a se responsabilizar, depois, olhei para a empresa e sua cultura como corresponsável. Agora, não há mais separação: a saúde mental é o lugar onde tudo isso desagua, ou transborda.
Há quem ainda ache que saúde mental é tema delicado demais para ser discutido no ambiente profissional. Pois eu afirmo: delicado é fingir que está tudo bem enquanto todo mundo se afunda. Saúde mental não é diagnóstico é temperatura emocional é a pausa que não vem, a sobrecarga normalizada, a cultura do medo disfarçada de excelência. E não falar sobre isso abertamente é no mínimo contraproducente, para uma sociedade que deseja tanto lucro, alta produção e grandiosos resultados.
A chegada da atualização da NR1, que agora inclui os riscos psicossociais no GRO, é um avanço... e líder, se essas siglas lhe soam estranhas, você está sendo líder errado! E sim, esse é um puxão de orelha para quem é responsável por vidas!!
Essa novidade é deveras um motivo de comemoração. Mas comemorar a mudança legal, sem se comprometer com uma mudança cultural, é pura maquiagem. Porque não se regula o cuidado se pratica e isso vai exigir algo que lei nenhuma impõe: coerência, escuta, presença real e postura ética genuína.
A empresa precisa parar de maquiar sofrimento com ações institucionais vazias, esse é o marketing mais caro e menos eficiente a ponto de fazer com seus colaboradores virem reais sabotadores do seu negócio. Da mesma forma que o colaborador precisa parar de mascarar desinteresse com cinismo, neste universo o ambiente e indivíduo precisam se enxergar ou continuarão se sabotando mutuamente.
Mas antes de prosseguir, é preciso estabelecer um limite firme e urgente: saúde mental no trabalho não é antídoto para dores que nascem fora dele. É comum projetarmos no ambiente profissional angústias não elaboradas, histórias mal resolvidas, carências emocionais que transbordam da vida pessoal. E isso precisa ser dito com clareza: A EMPRESA PODE, E DEVE, SER SAUDÁVEL. MAS ELA NÃO TEM O DEVER DE CURAR FERIDAS QUE NÃO AJUDOU A ABRIR.
Reconhecer o que é seu e o que é do ambiente é o primeiro o da maturidade emocional. Por isso, o primeiro artigo dessa trilogia começou com o indivíduo, porque não existe cultura forte em cima de pessoas que não se sustentam em si e saúde mental também exige honestidade interna, consciência do que precisa ser cuidado fora do crachá.
(Cuidado, esse parágrafo contém grandes doses de autoconsciência). O filósofo Jacques Lacan disse o seguinte:
E, no trabalho, essa linguagem às vezes se manifesta como cobrança desproporcional, fuga, irritabilidade ou apatia. Tudo aquilo que o indivíduo não elabora em si, ele tende a projetar no ambiente.O inconsciente é estruturado como uma linguagem.
E o contrário também: tudo que o ambiente ignora, o corpo grita, por esse motivo, saúde mental no trabalho não é só um tema técnico é um tema humano, profundo e bilateral.
Saúde mental não se mede por índice de absenteísmo, nem presenteísmo. Se mede pela fluidez de estar ali, pela confiança de dizer não estou bem e não ser punido por isso, pela sensação de pertencimento sem medo, pela paz de ir dormir no domingo sem pesar a semana inteira nas costas. Mas percebe que às vezes vamos dormir assim e não é por demandas do trabalho, estamos pesados de demanda pessoais que irão reverberar no trabalho e esse é o ponto que precisamos ser conscientes sobre a saúde mental e a dualidade do tema.
Hoje não é só sobre o dia do trabalho. É sobre o direito de trabalhar sem se perder. É sobre não adoecer em silêncio só porque alguém disse que a pressão faz parte. Porque não, ela não faz. Este é o fim da trilogia. Mas que seja o começo de algo lúcido e íntegro.
Porque onde não há espaço para saúde mental, não haverá produtividade real, nem gente inteira, nem empresa viva.
E isso, meu caro(a) leitor(a), não é sobre leis é sobre humanidade, sobre decência. Se você lidera se posicione! Se você adoece, fale! Se você finge, só pare. O silêncio não é neutro e se nada mudar depois disso Então não foi a cultura que fracassou. Foi a consciência que escolheu dormir.